Vista em 100% das TVs


Se teve uma novela que conquistou o Brasil na década de 1970, com certeza foi Selva de Pedra.

Todo autor que se preze sempre acompanha o noticiário, pelo simples fato que é de lá que grandes histórias podem nascer. A inspiração para as primeiras cenas de Selva de Pedra, escrita impecavelmente por Janet Clair em 1972, veio de um recorte de jornal que contava a história de um rapaz tocador de bumbo do interior de Pernambuco, que foi ridicularizado por outro jovem e o matou. Ela também se inspirou no romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser para traçar o destino dos protagonistas: Simone Marques / Rosana Reis (Regina Duarte) e Cristiano Vilhena (Francisco Cuoco).

Em 1973, Janete Clair abriu a sua casa para o jornalista Lúcio Rito, em entrevista às páginas amarelas da revista Veja, para falar do seu grande sucesso e como foi o processo de criação da trama. 

Da vida, dos jornais, dos dramas que as pessoas contam. A história de Cristiano tirei de uma notícia de um rapaz que tocava bumbo numa praça, no interior de Pernambuco. Ele foi ridicularizado por um outro rapaz e de noite foi tomar satisfações e o matou. A história surgiu daí, e só então é que notamos que a temática era semelhante à da Tragédia Americana (do escritor Theodore Dreiser, 1925), apesar de a história da novela em sai não ter nada a ver com o romance.”

Foto: Divulgação/TV Globo
Francisco Cuoco, Regina Duarte e Dina Sfat

No folhetim, vemos Simone (Regina Duarte) uma artista plástica que testemunha uma briga entre Cristiano (Francisco Cuoco) com um outro rapaz. Na desavença, por acidente, o jovem acaba sendo vítima de sua própria arma, morrendo na sequência. Ciente da inocência de Cristiano, a mocinha encoberta o caso e se apaixona por ele. Os dois acabam se casando e deixam o interior, passando a viver na capital, Rio de Janeiro.

Já na cidade maravilhosa, Cristiano desperta a paixão da milionária Fernanda (Dina Sfat). Aos poucos o rapaz vai sendo seduzido pelo poder e o dinheiro, colocando em risco o seu casamento com Simone. de 

Viajando de volta para novembro de 1975, a revista Amiga nos presenteou com uma entrevista memorável com a talentosa Dina Sfat. Ela não economizou palavras ao falar da sua personagem e a importância de dar vida a Fernanda.

“Fernanda foi um de meus melhores trabalhos na televisão. Personagem que começou tímida, ganhou grande vulto a partir de determinado momento da novela. Selva foi uma história difícil, extenuante, cansativa, porque exigiu de seus intérpretes toda uma entrega artística emocional sem o que não poderia ter chegado àquele resultado.”

Foto: Divulgação/TV Globo

Dina Sfat em 'Selva de Pedra - 1ª versão', 1972

No decorrer da trama Miro (Carlos Vereza), vê Simone como um obstáculo para o crescimento de Cristiano e até mesmo o dele, diante dessa situação ele propõe eliminar a jovem, mas Cristiano recusa e ele para se vingar, envia para o estúdio dela uma carta endereçada ao amigo, na qual afirma que Cristiano pretende matar a própria esposa. Após ler a carta, ela acredita que o seu marido está tramando a sua morte e decide fugir. Que amigo da onça é esse?

No entanto, durante a fuga, Simone sofre um grave acidente de carro enquanto era perseguida por Miro. Aqui cabe pontuar uma curiosidade bem significante, pois a partir deste acidente, a novela ganhou mais pontos no IBOPE. Na época, o acidente foi até capa da revista Cartaz, do dia 27 de julho de 1972.

"Em 1972, a cidade serrana de Petrópolis, no Rio de Janeiro, atraía diariamente dezenas de visitantes a dois pontos turísticos: a Rua Flávio Cavalcanti, onde se situava a mansão do popular apresentador de TV; e a estrada Rio-Petrópolis, no trecho próximo ao restaurante Belvedere, onde havia sido gravada a célebre sequência do acidente com o fusca de Simone. Foi a primeira vez na televisão brasileira que se gravou esse tipo de cena, com explosão de um carro. A sequência, gravada em preto e branco, impressiona até hoje. Eu tinha 6 anos quando vi (na reprise de 1975) e fiquei para sempre com essas imagens gravadas em minha memória." (Almanaque da TV, Bia Braune e Rixa) 

Foto: Divulgação/TV Globo
Regina Duarte em Selva de Pedra – 1ª versão, 1972 

Após o acidente, Simone é dada como morta e decide sair do Brasil, retornando um ano depois como a consagrada artista plástica Rosana Reis, em busca de vingança contra o seu marido.

Em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, em 1975, a atriz Regina Duarte falou sobre a importância da trama: 


“Sob o ponto de vista social, foi muito bom mostrar o que é a luta para subir na vida, os meios que são empregados, a marginalização que a sociedade impõe ao homem. Foi uma das faces da realidade brasileira e não uma história de reis e rainhas.”

Em 1975, a novela Selva de Pedra foi reprisada, despertando o interesse do público e da crítica. Diante dessa situação, a revista Amiga, em sua edição publicada no dia 19 de novembro daquele ano, decidiu entrevistar o elenco da trama. O objetivo era descobrir se os atores estavam satisfeitos com o desempenho de seus personagens ou se, após assistir ao resultado final da novela, mudariam algo em suas atuações ou na construção dos papéis. A matéria buscava explorar as reflexões dos artistas sobre o trabalho concluído e possíveis revisões que fariam após a exibição. Regina Duarte foi a primeira a aparecer na matéria.

"A primeira sensação que tenho ao me rever é de certa contrariedade pois, a grosso modo, não me gostei na novela. Eu estava no auge na época e tinha, como tenho, consciência de que era um trabalho importante. Mas quando comparo a Simone de 72 com a Regina de 75, a reação é diferente. Em 72 eu estava padronizada dentro de um determinado tipo de interpretação do qual não nego importância. Dei à Selva todo um potencial, entreguei-me na vontade de acertar. Procurava tirar o máximo de minha sensibilidade, então, à flor da pele."

Foto: Divulgação/TV Globo
Regina Duarte em 'Selva de Pedra - 1ª versão', 1972

Quem também comentou sobre o desenvolvimento do seu personagem foi Francisco Cuoco, que também pontua que faria o Cristiano de uma outra forma.

"Como estamos em pleno início de gravações de Pecado Capital, sobra pouco tempo para rever Selva de Pedra. Mas, do pouco que tenho observado, vejo que, em alguns momentos, encontrei com facilidade no clichê, talvez por comodidade inconsciente (o ritmo de trabalho era intenso). Hoje eu seria um Cristiano diferente. Mais sórdido e menos consequente na sua desesperada vontade  de triunfar. Caberia um Cristiano muito mais para o lado do crápula, porém eu o situei como um rapaz ingênuo. O Cristiano poderia ter ido mais além na sua maldade."

Em sua obra O Livro do Boni, o ex-todo poderoso da Rede Globo contou como foi a escola dos protagonistas desse grande sucesso que marcou história a nossa teledramaturgia.

“Para Selva de Pedra, cujo título, por acaso, é meu, o Daniel sugeriu uma nova dupla: Regina Duarte e Francisco Cuoco. Eu já havia trabalhado com o Cuoco em outras emissoras, como na novela Renúncia (1964) e em outros projetos, e sempre tive por ele o maior respeito e muita admiração pessoal e profissional. A Regina e o Cuoco se entregaram tanto aos personagens que tudo parecia tão real.”

Foto: Divulgação/TV Globo


Francisco Cuoco em Selva de Pedra – 1ª versão, 1972

Voltando às páginas da história em janeiro de 1973, a revista Veja nos presenteou com uma entrevista reveladora com a renomada autora. Em meio a um cenário de discussões sobre tramas televisivas, ela compartilhou sua visão sobre o sucesso da trama que continua ecoando nas produções atuais.

“Os ingredientes necessários são o amor, aventuras, morte e suspense. Mas não se pode abusar deles. Sei até onde o público suporta uma emoção e é essa medida exata que tem me ajudado. Uma boa novela é justamente aquela bem dosada. Não gosto de cenas longas. Também não se pode abusar da dinâmica. Você joga um impacto na história, mas até onde ele pode ser explorado? Não mais do que em três capítulos. O drama tem que ser entremeado com o riso. Nunca chocar sem na cena seguinte dar uma oportunidade para o público respirar.”

Um fato curioso foi publicado na revista Cartaz da época, destacando um comentário feito pela renomada autora Janete Clair. Ela observou que, sempre que uma de suas tramas alcançava grande sucesso, surgia alguém reivindicando a autoria da obra, afirmando ser o verdadeiro criador da história.

“Já apareceram dois ‘donos’ da novela e um deles – uma portuguesa cujo nome eu espeço – abriu um processo contra mim. Segundo li nos jornais, ela afirma que eu ‘roubei’ Selva de Pedra de um romance seu escrito há 20 anos, entregue a um jornalista e jamais publicado.”

Foto: Divulgação/TV Globo
Regina Duarte e Francisco Cuoco

Marca histórica de ibope

Na noite do dia 4 de outubro de 1972, no capítulo 152, Simone foi desmascarada pelo marido, Cristiano, acusada de assumir a identidade da sua irmã, Rosana Reis, falecida na infância.

Nesse dia, 100% dos aparelhos de televisão ligados no Rio de Janeiro e São Paulo, entre às 20h30min. e 20h45min. estavam ligados na novela, isso significa que em média 30 milhões de brasileiros estavam acompanhando o desenrolar da história criada pela autora. Um feito, até então, inédito no Brasil.

Nas célebres páginas amarelas da edição de 1973 da revista Veja, a autora concedeu uma entrevista exclusiva, abrindo as cortinas sobre o ápice de sua carreira: o alcance máximo na audiência. Entre reflexões e insights, ela compartilhou os bastidores desse feito notável, oferecendo aos leitores uma visão privilegiada do seu sucesso inigualável.

“Os 100% de Ibope aumentaram muito minha responsabilidade. Minha sensação é de medo. E muita humildade. De repente, vejo meu trabalho crescer, tornar-se gigante, e eu me sinto pequena, e surpresa: pela primeira vez a repercussão de uma novela foi inesperada para mim. Selva de Pedra atingiu todas as camadas sociais. Minha empregada vê, minhas amigas, advogados, médicos. Outro dia, fui à inauguração do Teatro Bloch e não sabia mais o que dizer às pessoas. Até o ex-presidente Juscelino Kubitschek mostrou que era meu fã e muito aflito chegou para Regina Duarte e disse: ‘Minha filha, não aguento mais ver você sofrendo naquela casa. Quando é que isso vai terminar?’. quer dizer, é uma coisa que me chocou muito. Foi meu maior sucesso até agora.”

Foto: Divulgação/TV Globo

Francisco Cuoco e Regina Duarte

Mesmo quando uma novela atinge a marca de 100%, ela não está livre das críticas, muito pelo contrário. Afinal, com grande audiência vem grande responsabilidades, e cada cena, diálogo e enredo são examinados minuciosamente pelos críticos ávidos por comentários.

Na edição de 8 de outubro de 1972 do jornal Folha de S. Paulo, a jornalista Helena Silveira soltou o verbo, detonando a tão aguardada volta de Simone:

“É absolutamente infantil o retorno de Simone com a identidade de Rosana. A plateia enorme que vinha assistindo à novela parece aturdida com a reviravolta do raconto, com a mudança do estilo. E o telefone de casa não cessa de tocar:

- Helena, quando Cristiano foi acusado de crime e encontrou a morta, não se lembrou de pedir à polícia que verificasse as impressões digitais de Rosana e conferisse com as de Simone?

- Será que Simone nunca foi a um dentista? Seria tão fácil comparar a arcada dentária da morta com a da viva!

- Ninguém, mas ninguém mesmo, teve um treco ao ver a ressurreição de uma morta e enterrada?

Claro que Janete Clair vai dar um jeitinho. Claro que a verdade virá à tona. Mas as cenas da volta de Simone, nem por isso deixam de ser inverossímeis. E isto é melancólico, pois que a novela tinha uma grande aceitação pelo público e este se sente bastante fraudado”
, escreveu a crítica em uma das suas colunas.

Foto: Divulgação/TV Globo

Carlos Eduardo Dolabella e Dina Sfat

Nos meandros da análise televisiva, o
 pesquisador Ismael Fernandes, também comentou sobre a repercussão da trama em seu livro Memória da Telenovela Brasileira.

“O país vivia a fase do ‘milagre brasileiro’ e, com prazer, se reunia à frente da televisão para assistir a vitória do bem sobre o mal, como mostrou o último capítulo. Acontecia um milagre na vida de Cristiano e Simone (Francisco Cuoco e Regina Duarte). Eles voltavam a se entender como nos duros tempos, mas não eram mais os mesmos. Agora eles se amavam envolvidos pelo dinheiro ao sabor do sucesso pessoal. Era o milagre brasileiro mesmo!”

Destaque na Mídia

   Foto: Imagens Retiradas da Internet

Fontes de pesquisas: Revista Veja; Revista Amiga; Revista Cartaz; Jornal Folha de São Paulo; O Livro do Boni; Livro Almanaque da TV; Memória da Telenovela Brasileira; Site Teledramaturgia; Site Memória Globo; Blog Revista Amiga e Novelas.
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