Caso ainda não tenha conferido, a primeira parte dessa trama tão polêmica, saiba que ela já está disponível aqui. Agora, prepare-se para uma imersão nos bastidores dessa trama que deu o que falar, dentro e fora da televisão.
Trocando em miúdos
Os Gigantes foi corajosa demais, abrindo a discussão sobre eutanásia pela primeira vez na telinha. Botou na roda não só os lances legais, mas também os religiosos e éticos. Até os dias atuais, a prática é considerada crime de homicídio no Brasil, quem assistiu Justiça (2016), sabe muito bem do que estou escrevendo aqui, pois tivemos um caso parecido na trama de Manuela Dias.
“Acho que Os Gigantes vai conseguir menos audiência que as outras novelas. Ela vai encontrar muita resistência por parte do público, não só por abordar temas como a eutanásia, mas por causa da personalidade de Paloma. Mas estamos cientes por que ela coloca em xeque e vai discutir os valores morais mais conservadores”. (O Globo, 20 de agosto de 1979)
Foto: Reprodução/TV Globo
Lauro já tinha noção que o público não seria tão fiel a sua história. A real é que a novela anterior, Pai Herói, fazia um sucesso absurdo, com uma média de 70 pontos e até batendo 80 em alguns capítulos. Agora, com Os Gigantes, a coisa estava desandando, a audiência caiu pra uns 50 pontos, o que deixou a galera lá na Globo com as anteninhas ligadas.
Porém, uma das coisas que fez com que a emissora carioca se chateasse com o autor da trama, foi os ataques às multinacionais, representadas pelas fábricas fictícias Welkson e Eltsen. Por meio da ficção, Lauro fazia uma crítica velada à Nestlé que era uma das patrocinadoras da emissora. Em uma das cenas, um dos funcionários aparece diante do espelho, e lá, no reflexo, o nome Nestlé apareceu bem na cara dura! Aí já viu, né? Um bafafá dos infernos começou. Resultado? A Nestlé ameaçou tirar toda a publicidade inserida no canal e o autor se viu obrigado a esquecer o tema e tocar a trama pra frente. Quem diria que uma simples cena de espelho ia causar tanto tumulto, hein?
Foto: Divulgação/TV Globo
“Fiz então uma guerrilha moleque, fui muito atrevido e chamei a empresa de Eltsen. Ninguém se deu conta por muito tempo de que eu estava subliminarmente atacando uma multinacional do leite. Até o dia em que um operário da Eltsen ficou diante do espelho. Então foi possível a todo Brasil ler, com clareza, Nestlé. Eu me divertia enquanto alguns preparavam meu túmulo na TV Globo”. (Lauro César Muniz: Solta o Verbo, de Hersch W. Basbaum, Imprensa Oficial, São Paulo, 2010)
Foto: Divulgação/TV Globo
Outro tema que deu o que falar, foi um suposto envolvimento homossexual entre as personagens Paloma (Dina Sfat) e Renata (Lídia Brondi), também foram contidas.
“Dina achava que a personagem não poderia ser tão doente. Deveria ser mais leve, mais brincalhona, andar a cavalo, curtir a vida. Queria limpar a barra da personagem que tinha provocado a morte do irmão gêmeo. Além disso, eu me atrevi, pela primeira vez na Tv, a insinuar uma relação homossexual entre Paloma e a personagem da Lidia Brondi. Era muito sutil, mas as pessoas mais atentas perceberam. A Dina se colocou contra a minha proposta, fazer uma anti Malu Mulher que era o símbolo feminista naquela época. Eu não queria uma mulher exemplar, eu queria uma mulher complexa, conflitada, cheia de problemas, e que carregava o peso de um assassinato.” (Lauro César Muniz: Solta o Verbo, de Hersch W. Basbaum, Imprensa Oficial, São Paulo, 2010)
Mas não pense que as polêmicas ficaram apenas dentro dos estúdios. A insatisfação do elenco e da direção aos poucos escapou dos bastidores e ganhou os holofotes da imprensa. Em sua biografia Lauro César Muniz Solta o Verbo, Hersch W. Basbaum, o autor revelou que, para complicar ainda mais a situação, a explosiva Dina Sfat resolveu botar a boca no trombone sobre o descontentamento com a novela, chegando até a romper publicamente com ele. E olha só, o autor não ficou atrás, soltou umas declarações sobre os rumos de sua trama nos jornais.
Foto: Reprodução/TV Globo
Mesmo insatisfeita com a personagem, Dina Sfat ainda se manteve como o principal destaque da trama. Em sua autobiografia, Palmas Pra Que Te Quero, escrita em parceria com a jornalista Mara Caballero a atriz declarou: “Passei onze anos na TV Globo. Saí depois de uma novela que odiei fazer, Os Gigantes.” Apesar de ser protagonista, Dina era o terceiro nome na abertura, atrás de Francisco Cuoco e Tarcisio Meira. Nada justo, né? Sendo que ela que movimentava toda a trama. Mesmo com todas as polemicas, a atriz conseguiu conquistar o Troféu Imprensa de melhor atriz de 1980, pela sua atuação.
Na obra A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo, de André Bernardo e Cíntia Lopes, o autor revelou:
As críticas vinham de todos os cantos, vou colocar algumas aqui:
Na obra A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo, de André Bernardo e Cíntia Lopes, o autor revelou:
"Era uma novela mórbida, pesada, infeliz. […] Dina Sfat rompeu comigo. Ela chegava no estúdio, pegava o script, jogava no chão e sapateava em cima: ‘Não vou fazer essa droga de jeito nenhum’, ela gritava".
As críticas vinham de todos os cantos, vou colocar algumas aqui:
“A novela de Lauro Cesar Muniz tinha momentos de grande dramaticidade e momentos de situações embaraçosas, em que tanto os atores quanto eu ficávamos sem saída. Os personagens agiam sem lógica. Dina Sfat, protagonista, várias vezes olhou para mim e perguntou: ‘E agora, o que eu faço?’ E eu: ‘Só falta você levitar.’ A novela não foi bem, não fez sucesso.” (No Princípio Era o som: A Minha grande novela, de Régis Cardoso, Madras, 2019)
O escritor Marcelo Rubens Paiva deu uma passadinha de leve em Os Gigantes no seu best-seller Feliz Ano Velho. Ele contou que assistia à novela durante o tempo em que ficou internado depois do acidente que levou. Mas olha, as memórias não são lá das mais animadoras:
“Era uma novela boba do Lauro César Muniz que, para o meu azar, era das piores já passadas no horário das oito. Tinha uma tal de Paloma, que dividia seu amor por dois canastrões. Única coisa de excitante na novela é que trabalhava a Lídia Brondi, minha Lídia.”
"Não há voltas e explicações, desculpas ou acusações: Os Gigantes nunca foi uma boa novela. Falhou em Os Gigantes o ritmo. Falhou a troca da ação pelo conceitual. Falhou o carisma da personagem principal ou pivô, Paloma. Falhou a força dos dois personagens Chico e Fernando. Falhou a empatia dos personagens secundários, salvo dois ou três. [...] O resultado foi o belo projeto que não se realizou e, o que é pior deixou feridos e machucados gerando crises artificiais das quais se valeram os inimigos do progresso de nossa televisão para intrigar e fofocar, jogando uns contra os outros, ampliando os defeitos e vendo com alegria uma falha no meio de tantos acertos." (Jornal O Globo, Artur da Távola, Caderno de TV, 3 de fevereiro de 1980)
Na sua biografia Lauro César Muniz: Solta o Verbo, o autor deixou escapar que o Boni, o todo-poderoso da Globo naquela época, fez até malabarismos pra segurar ele na emissora, mas o destino já estava traçado. Com a saída do autor, quem assumiu foi Maria Adelaide Amaral que acabou escrevendo 18 capítulos da trama.
“Minha única função é de ler os capítulos, discuti-los com ele e aconselhá-lo, como uma espécie de regra três para qualquer eventualidade. Como todos sabem sou o estepe do Lauro para o caso de impedimento. Trabalho oito horas por dia na Editora Abril, como poderia estar escrevendo novelas? Aliás foi o próprio Lauro quem me escolheu para ser sua colaboradora caso houvesse uma necessidade para uma eventual substituição. Devo confessar que Os Gigantes me preocupa, já pensou se um dia eu tiver que substituir o Lauro, o que espero que jamais aconteça.” (Jornal do Brasil, 14 de outubro de 1979)
E não é que rolou de verdade? É incrível como as palavras têm esse poder todo, né? É tipo aquele ditado popular: "Cuidado com o que você diz, porque pode se realizar!" É como se o universo ficasse de olho nas nossas falas e resolvesse atender nossos desejos, às vezes até de um jeito que a gente nem imagina.
Foto: Divulgação/TV Globo
Após passar por esse trauma, Maria Adelaide Amaral deixou as novelas, retornando somente 11 anos depois, como colaboradora, em Meu Bem Meu Mal (1990). No entanto, o último capítulo não foi escrito pela autora, quem foi chamado para botar um ponto final na trama de Lauro, foi Benedito Ruy Barbosa, mas declinou do convite.
“Porém, quando meses depois, efetivamente ele precisou dos meus préstimos, arregacei as mangas e fui ajuda-lo. Mesmo sem assistir a novela, mesmo desconhecendo a trama, mesmo trabalhando em sua casa depois do meu expediente na Abril, mesmo atravessando a noite em claro e chegando em casa com o padeiro, mesmo dormindo apenas duas horas durante semanas, fiz o que ele esperava que eu fizesse. Porém minha saúde se ressentiu da experiencia.” (Maria Adelaide Amaral: A Emoção Libertária, de Tuna Dwek, Imprensa Oficial, São Paulo, 2005)
“Passando alguns anos, o Benedito Ruy Barbosa me contou que fora chamado para reescrever esse último capítulo. Respondeu que aceitaria a empreitada se o Lauro concordasse. Disseram a ele que o Laura já estava demitido e que se ele não fizesse o capítulo poderia também ter o mesmo destino. O Benedito se adiantou, sentou-se diante de uma máquina de escrever e foi à diretoria entregar uma carta de demissão. E saiu da Globo.” (Lauro César Muniz: Solta o Verbo, de Hersch W. Basbaum, Imprensa Oficial, São Paulo, 2010)
Lauro conta que havia deixado pronto o desfecho do seu folhetim, que acabou sendo alterado pelo também autor Walter George Durst, deixando Lauro decepcionado. Na sua coluna Helena vê TV, no jornal Folha de São Paulo, a colunista Maria Helena da Silveira contou tudinho sobre o desabafo emocionado do autor. Ele ligou pra ela assim que passou o último capítulo da novela. Foi um daqueles papos pra lá de sinceros.
Foto: Divulgação/TV Globo
02 - A trama reuniu os dois maiores galãs dos anos 1970: Tarcísio Meira e Francisco Cuoco. A última novela em que atuaram juntos foi em O Semideus (1973) de Janete Clair.
03 - Pela primeira vez, a equipe de sonoplastia, sob a coordenação do maestro Guerra Peixe, estabeleceu um estúdio dedicado à amplificação de sons que caracterizassem os diversos ambientes da trama. Essa prática, antes reservada exclusivamente para produções cinematográficas, foi incorporada. Anteriormente, as gravações eram realizadas utilizando-se som direto.
04 - Nas gravações, foi empregada uma câmera portátil que possibilitava capturar ângulos distintos dos tradicionalmente utilizados em telenovelas, aproximando a estética visual da do cinema. O dispositivo recebeu o apelido de “Paloma”, dado que permanecia constantemente nas mãos do diretor. Este chegava a focalizar exclusivamente os olhos da protagonista, buscando expressar suas angústias. Isso explica algumas cenas tremulas.
“Helena desejo que você registre o meu protesto. Estou profundamente atingido pelo que ocorreu. Não havia razão de darem a outro roteirista o texto, caso houvesse injunções da Censura. Eu daria outras soluções caso as minhas não tivessem sido aceitas [...] Mas a parte final foi a mais atingida. É um absurdo que Paloma entregue o filho a Veridiana (Susana Vieira). Além disso o filho de Paloma é de Chico (Francisco Cuoco) e não de Fernando (Tarcísio Meira). O bebê seria uma menina e não um menino, dando assim a idéia de prosseguimento, e na cena final a visão de Paloma jovem no jardim, é só de Fernando. Liga – se assim, Paloma a filha que é seu prosseguimento, o renascer das cinzas.”
Foto: Divulgação/TV Globo
Você já sabia disso?
01 - As primeiras cenas foram filmadas em Vassouras, situada no Rio de Janeiro. Já as cenas subsequentes foram gravadas na cidade cenográfica localizada em Guaratiba, na zona oeste da cidade.02 - A trama reuniu os dois maiores galãs dos anos 1970: Tarcísio Meira e Francisco Cuoco. A última novela em que atuaram juntos foi em O Semideus (1973) de Janete Clair.
03 - Pela primeira vez, a equipe de sonoplastia, sob a coordenação do maestro Guerra Peixe, estabeleceu um estúdio dedicado à amplificação de sons que caracterizassem os diversos ambientes da trama. Essa prática, antes reservada exclusivamente para produções cinematográficas, foi incorporada. Anteriormente, as gravações eram realizadas utilizando-se som direto.
04 - Nas gravações, foi empregada uma câmera portátil que possibilitava capturar ângulos distintos dos tradicionalmente utilizados em telenovelas, aproximando a estética visual da do cinema. O dispositivo recebeu o apelido de “Paloma”, dado que permanecia constantemente nas mãos do diretor. Este chegava a focalizar exclusivamente os olhos da protagonista, buscando expressar suas angústias. Isso explica algumas cenas tremulas.
Foto: Divulgação/TV Globo
05 - Em uma entrevista concedida ao site Memória Globo, Joana Fomm (creditada como Joanna Fonn na abertura) revelou que perfurou suas orelhas pela primeira vez especificamente para usar os brincos de pérola de sua personagem. Com o intuito de se aproximar da visão do autor, a atriz optou por manter seus cabelos pretos e lisos, de modo a incorporar melhor a essência proposta para o papel.
06 - De acordo com a Revista Contigo, para cortar gastos a direção teria decidido cortar as cenas de voos de paloma e tirar de cena os dois aviões da história, que custam nada menos que Cr$ 3.500,00 a hora, cada um.
07 - O fato de Paloma ter matado o seu irmão seria tratado mais para o final da novela, mas com a queda no Ibope, o autor e a própria diretoria decidiram dar uma guinada na história.
08 - Na sinopse inicial apresentada à Globo pelo autor Lauro César Muniz, a novela tinha o título provisório de "Fênix – a ave que renasce das cinzas", em alusão à famosa lenda. O nome "Fênix" pertencia a uma das fazendas que serviram de cenário para a trama, e possuía uma simbologia direta com a protagonista Paloma, interpretada por Dina Sfat.
Foto: Divulgação/TV Globo
09 - Primeira novela de Monique Curi, que interpretava Paloma na infância.
10 - Outra opção de título considerada foi "Paloma", o nome da protagonista, que significa "pomba" em espanhol.
11 - No entanto, a direção da Globo decidiu intitular a novela como Os Gigantes, escolha que se baseou mais na intensidade do termo do que em uma relação direta com a temática da trama. O título foi inspirado no livro Os Quatro Gigantes da Alma, de Mira Y Lopez, onde o medo, o amor, o dever e o ódio são mencionados como os gigantes, representando os sentimentos de Paloma nas chamadas de estreia da novela. Essa citação, que enfatizava "Dentro de nossa alma, o medo, o amor, o dever, o ódio… Gigantes acima de nossas forças", justificava a escolha do título.
11 - No entanto, a direção da Globo decidiu intitular a novela como Os Gigantes, escolha que se baseou mais na intensidade do termo do que em uma relação direta com a temática da trama. O título foi inspirado no livro Os Quatro Gigantes da Alma, de Mira Y Lopez, onde o medo, o amor, o dever e o ódio são mencionados como os gigantes, representando os sentimentos de Paloma nas chamadas de estreia da novela. Essa citação, que enfatizava "Dentro de nossa alma, o medo, o amor, o dever, o ódio… Gigantes acima de nossas forças", justificava a escolha do título.
Foto: Divulgação/TV Globo
12 - O título também apresenta uma perspectiva mercadológica ao associar a novela a três renomados nomes da Globo naquela época: Dina Sfat, Francisco Cuoco e Tarcísio Meira, considerados três gigantes da emissora.
13 - No dia 18 de março de 2024, o Globoplay lançou um projeto intitulado Fragmentos, visando resgatar e disponibilizar obras televisivas com poucos capítulos preservados ao longo dos anos. Dentro dessa iniciativa, foi disponibilizada uma obra peculiar: apenas o primeiro e o último capítulo foram encontrados e postados na plataforma. Esses dois capítulos representam tudo o que restou dessa produção televisiva. O capítulo final, em especial, recebeu um aviso notável: um anúncio divulgando o número do Centro de Valorização da Vida (CVV), que é o 188. Esse aviso foi inserido devido a uma cena marcante e sensível presente no episódio final: o suicídio da protagonista Paloma.
Prepare-se para uma verdadeira viagem musical no próximo post, onde vamos explorar as fascinantes curiosidades por trás da trilha sonora oficial de Os Gigantes. Saiba a tiragem de vendas dessa seleção. Não deixe de conferir, porque a diversão está garantida e a nostalgia vai tomar conta!
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