Uma coisa é certa nas novelas: elas são obras abertas e tudo pode mudar dependendo da resposta do público, que pode aplaudir ou rejeitar o que está sendo mostrado. Quando a rejeição vem, o autor e todos os envolvidos precisam ter jogo de cintura para reverter a situação e fisgar aqueles que estão torcendo o nariz. Um bom exemplo envolvendo essa situação é O Dono do Mundo, trama escrita por Gilberto Braga.
O problema é que o público rejeitou a trama, considerando-a muito forte para o horário. Quem ganhou com essa rejeição foi o SBT, que na época exibia duas novelas mexicanas: Carrossel e Rosa Selvagem. A novela infantil Carrossel foi uma febre no Brasil; muitos esperavam Carrossel terminar para colocar em O Dono do Mundo. O desinteresse do público pela trama de Braga, em face ao sucesso da telenovela infantil, chegou a ser capa da revista Veja.
Considerada uma das novelas mais lembradas pelo público da emissora, Carrossel anotou uma audiência média de 6 pontos nas primeiras semanas. Mas, no mês seguinte, surpreendeu. A novela passou a ter médias acima dos 20 pontos e, não muito raro, atingia picos de 30 pontos, muito próximo da Globo na faixa horária, que exibia Jornal Nacional e a novela O Dono do Mundo. A força da novela foi tanta que o principal jornal da emissora carioca caiu de 54 para 40 pontos. Uma queda causada pela migração do público para a novela infantil do SBT. Mas, por incrível que pareça, nem Silvio Santos imaginava que a novela pudesse ter dado tão certo. Em entrevistas, ele apostava que a novela pudesse render cerca de 10 pontos, nada mais que isso.
“Os telespectadores acharam a trama de O Dono do Mundo pessimista e acabei perdendo público para Carrossel. Para tê-los de volta, enchi a novela de raios de sol e esperança”, lembrou o autor, com ironia. “Ficou boba, mas deu certo.” (TV Folha, Gilberto de Abreu, São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998)
O próprio autor, Gilberto Braga, reconheceu o erro em sua trama em 2008, no livro Autores, Histórias da Teledramaturgia. Nesse livro, Braga refletiu sobre a repercussão negativa de O Dono do Mundo e admitiu que a abordagem da história foi inadequada. Ele explicou que o público achou a trama pessimista e difícil de digerir, o que levou muitos telespectadores a mudarem de canal, buscando alternativas mais leves e agradáveis. Essa autocrítica demonstrou o quanto Braga estava atento à resposta do público e disposto a aprender com os feedbacks recebidos ao longo de sua carreira na teledramaturgia.
“A primeira semana da novela foi a melhor coisa que já fiz na vida. Acho a história muito forte, embora totalmente errada como novela de televisão, porque era cruel, muito penosa para o telespectador. Era uma história séria sobre luta de classes, pobre levando porrada e não tendo como se defender. A audiência começou a cair e eu tive que mudar isso. Ficou uma bela porcaria!”
Mocinha Rejeitada Pelo Público
Tudo começa quando Felipe Barreto (Antônio Fagundes) faz uma aposta com seu fiel escudeiro, prometendo que levará para a cama a noiva virgem, Márcia (Malu Mader), antes do marido. Ele começa a pôr seu plano em ação, patrocinando a lua de mel do casal e criando dezenas de situações e intrigas para afastar o noivo e tirar a virgindade de Márcia. Ao invés de reagir contra as investidas do vilão, Márcia bateu à porta do quarto de Felipe, no Canadá, se oferecendo para ele.
Essa foi uma cena crucial para que o público rejeitasse Márcia, não aceitando que a mocinha tivesse traído o noivo, e aplaudisse o vilão, gerando um grande problema para a produção, que viu o Ibope cair aos poucos.
De acordo com a matéria publicada pela Folha de S. Paulo, os grupos de discussão, recurso usado pela TV Globo para avaliar programas entre telespectadores, apontavam a mocinha, a professora Márcia, como "uma galinha", enquanto Felipe Barreto estava "cumprindo seu papel de homem".
Vale ressaltar que Felipe Barreto foi o primeiro vilão interpretado por Antonio Fagundes em uma novela e, melhor de tudo, o papel foi feito especialmente para o ator.
Segundo entrevista à Folha de S. Paulo de junho de 1991, o Homem do Baú mandou uma indireta a Gilberto Braga:
Mais uma indireta: aproveitando todo o sucesso, o SBT publicou inúmeros anúncios, com doses de ironia, sobre o bom desempenho da novela. Em 21 de junho de 1991, a emissora deu uma indireta bem direta para a produção global, O Dono do Mundo: “A única coisa que a nossa professorinha dá é audiência, viu Felipe?”. Essa era a frase que estava estampada e mencionava o personagem Felipe Barreto, interpretado pelo ator Antonio Fagundes.
A queda na audiência foi tamanha que, logo em seu primeiro mês de exibição, o também autor Silvio de Abreu foi chamado às pressas para ajudar a reformular a novela. O dramaturgo mudou o perfil de alguns personagens com a intenção de dar mais agilidade à trama. Após a saída de Silvio, se deu a entrada de Ricardo Linhares, que havia acabado de concluir Lua Cheia de Amor, se integrando ao time de O Dono do Mundo, conforme havia sido estabelecido antes mesmo da estreia da novela.
Uma das primeiras medidas tomadas por Braga para fazer com que o público comprasse a história de Márcia foi fazer com que ela agredisse Felipe com um bisturi e jurasse vingança antes de ir parar na cadeia.
Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, a atriz Malu Mader contou que foi difícil seguir por um caminho completamente diferente do que ela e a equipe haviam planejado.
O diretor-geral da novela, Dennis Carvalho, enfatizou no Webdoc do Memória Globo o desespero que isso gerou em todos – a produção, ainda por cima, sofria a concorrência da novela mexicana Carrossel, do SBT, que fazia sucesso e incomodava até o Jornal Nacional.
Depois disso, o vilão começa a cair em decadência, perdendo tudo que tinha e se redimindo por tudo que ele tinha feito com Márcia, se apaixonando de “verdade” por ela. No entanto, no fim da história, o público descobre que era tudo mentira e que o vilão nunca havia mudado.
Apesar da não aceitação dos primeiros capítulos, após algumas mudanças, o público aos poucos foi retornando ao folhetim, que alcançou 43,3 pontos de média geral, deslanchando na reta final e chegando a índices de mais de 50 pontos.
Em 2009, perguntado sobre o que mudaria em O Dono do Mundo, Gilberto Braga respondeu a André Bernardo e Cíntia Lopes, para o livro A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo:
Com um total de 197 capítulos, O Dono do Mundo é considerada parte de uma trilogia de novelas escritas por Gilberto Braga, que exploram profundamente questões de ética e moral na sociedade brasileira. As outras obras que completam essa trilogia são Vale Tudo e Pátria Minha. Cada uma dessas novelas se destacam por abordar temas controversos e por provocar reflexões sobre os valores e comportamentos dos brasileiros, consolidando Gilberto Braga como um autor que desafia e engaja o público com tramas complexas e instigantes.
Com um elenco estelar, destacando grandes nomes como Gloria Pires, Nathalia Timberg, Fernanda Montenegro, Stênio Garcia, Maria Padilha, Daniel Dantas, Paulo Goulart e outros, a novela registrou uma média de audiência de 43 pontos, uma queda significativa em comparação com sua antecessora, Meu Bem, Meu Mal, que havia alcançado uma média de mais de 50 pontos. Essa diferença de sete pontos refletiu uma recepção menos entusiástica do público, apesar da qualidade e renome de seu elenco.
Tudo começa quando Felipe Barreto (Antônio Fagundes) faz uma aposta com seu fiel escudeiro, prometendo que levará para a cama a noiva virgem, Márcia (Malu Mader), antes do marido. Ele começa a pôr seu plano em ação, patrocinando a lua de mel do casal e criando dezenas de situações e intrigas para afastar o noivo e tirar a virgindade de Márcia. Ao invés de reagir contra as investidas do vilão, Márcia bateu à porta do quarto de Felipe, no Canadá, se oferecendo para ele.
Essa foi uma cena crucial para que o público rejeitasse Márcia, não aceitando que a mocinha tivesse traído o noivo, e aplaudisse o vilão, gerando um grande problema para a produção, que viu o Ibope cair aos poucos.
“O público não a perdoou. Foi ela quem foi lá, ele tinha razão. Ela tinha que ficar quietinha no canto dela. Se ele tivesse ido bater na porta dela, talvez o público a perdoasse”, contou Antônio Fagundes ao site Memória Globo.
“Aquilo ficou muito evidente, a rejeição que é uma rejeição à mulher. As mulheres não podem fazer nada de errado e os homens podem fazer tudo. Nessa área do sexo então, tudo é aceito no mundo dos homens e uma mulher faz qualquer deslize moral nesse sentido, ela é condenada, ela vai para a fogueira, e foi o que aconteceu”, relembrou a atriz Malu Mader no documentário: Gilberto Braga: Meu Nome é Novela.
De acordo com a matéria publicada pela Folha de S. Paulo, os grupos de discussão, recurso usado pela TV Globo para avaliar programas entre telespectadores, apontavam a mocinha, a professora Márcia, como "uma galinha", enquanto Felipe Barreto estava "cumprindo seu papel de homem".
"Achei que estava criando um monstro repugnante, mas o público ficou do lado dele", relembrou o autor.
Vale ressaltar que Felipe Barreto foi o primeiro vilão interpretado por Antonio Fagundes em uma novela e, melhor de tudo, o papel foi feito especialmente para o ator.
“Foi um dos grandes personagens que eu fiz, um verdadeiro presente do autor, que não costumava escrever homens com tanta força. [...] Tanto que nas sinopses são poucas informações dos personagens masculinos”. (Livro Biografia da Televisão Brasileira, Volume 2, Flávio Ricco e José Armando Vannucci)
Segundo entrevista à Folha de S. Paulo de junho de 1991, o Homem do Baú mandou uma indireta a Gilberto Braga:
"Se a Globo não estiver satisfeita com o Gilberto Braga, estou de portas abertas para recebê-lo", afirmou.
Mais uma indireta: aproveitando todo o sucesso, o SBT publicou inúmeros anúncios, com doses de ironia, sobre o bom desempenho da novela. Em 21 de junho de 1991, a emissora deu uma indireta bem direta para a produção global, O Dono do Mundo: “A única coisa que a nossa professorinha dá é audiência, viu Felipe?”. Essa era a frase que estava estampada e mencionava o personagem Felipe Barreto, interpretado pelo ator Antonio Fagundes.
A queda na audiência foi tamanha que, logo em seu primeiro mês de exibição, o também autor Silvio de Abreu foi chamado às pressas para ajudar a reformular a novela. O dramaturgo mudou o perfil de alguns personagens com a intenção de dar mais agilidade à trama. Após a saída de Silvio, se deu a entrada de Ricardo Linhares, que havia acabado de concluir Lua Cheia de Amor, se integrando ao time de O Dono do Mundo, conforme havia sido estabelecido antes mesmo da estreia da novela.
Uma das primeiras medidas tomadas por Braga para fazer com que o público comprasse a história de Márcia foi fazer com que ela agredisse Felipe com um bisturi e jurasse vingança antes de ir parar na cadeia.
"Corrigir foi muito complicado. Escrevi quase toda a novela deprimido", confessou o autor. (Folha de S. Paulo, Ilustrada, Cristina Grillo, 31 de outubro de 2010)
Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, a atriz Malu Mader contou que foi difícil seguir por um caminho completamente diferente do que ela e a equipe haviam planejado.
“Quero sempre me preparar o máximo possível em um trabalho. Mas, ao mesmo tempo, foi bom porque, apesar de toda a dificuldade, ali começou um longo caminho de aprendizado profissional e humano em que percebi ser impossível me preparar para as surpresas tanto na vida quanto nas novelas”.
O diretor-geral da novela, Dennis Carvalho, enfatizou no Webdoc do Memória Globo o desespero que isso gerou em todos – a produção, ainda por cima, sofria a concorrência da novela mexicana Carrossel, do SBT, que fazia sucesso e incomodava até o Jornal Nacional.
“O Gilberto ficou desesperado, o Boni ficou desesperado, o Daniel Filho ficou desesperado, todas pessoas experientes”, disse.
Depois disso, o vilão começa a cair em decadência, perdendo tudo que tinha e se redimindo por tudo que ele tinha feito com Márcia, se apaixonando de “verdade” por ela. No entanto, no fim da história, o público descobre que era tudo mentira e que o vilão nunca havia mudado.
"A audiência já estava conquistada. Foi uma grande surpresa. Isso tudo da cabeça do Gilberto", comemorou Ricardo Linhares no Memória Globo.
Apesar da não aceitação dos primeiros capítulos, após algumas mudanças, o público aos poucos foi retornando ao folhetim, que alcançou 43,3 pontos de média geral, deslanchando na reta final e chegando a índices de mais de 50 pontos.
Em 2009, perguntado sobre o que mudaria em O Dono do Mundo, Gilberto Braga respondeu a André Bernardo e Cíntia Lopes, para o livro A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo:
“Hoje eu saberia reescrever o início sem causar rejeição. Mas depois de ter errado, fica mais fácil, não é? Bastava não ser tão pessimista, cruel e sombrio. Quer dizer, podia ser, mas tinha de ter mostrado uma possibilidade de luz no fim do túnel.”
Com um total de 197 capítulos, O Dono do Mundo é considerada parte de uma trilogia de novelas escritas por Gilberto Braga, que exploram profundamente questões de ética e moral na sociedade brasileira. As outras obras que completam essa trilogia são Vale Tudo e Pátria Minha. Cada uma dessas novelas se destacam por abordar temas controversos e por provocar reflexões sobre os valores e comportamentos dos brasileiros, consolidando Gilberto Braga como um autor que desafia e engaja o público com tramas complexas e instigantes.
Com um elenco estelar, destacando grandes nomes como Gloria Pires, Nathalia Timberg, Fernanda Montenegro, Stênio Garcia, Maria Padilha, Daniel Dantas, Paulo Goulart e outros, a novela registrou uma média de audiência de 43 pontos, uma queda significativa em comparação com sua antecessora, Meu Bem, Meu Mal, que havia alcançado uma média de mais de 50 pontos. Essa diferença de sete pontos refletiu uma recepção menos entusiástica do público, apesar da qualidade e renome de seu elenco.
Fontes de pesquisas: Revista Veja; Revista Amiga; Revista Contigo; Revista Cartaz; Jornal Folha de São Paulo; Livro Almanaque da TV; Livro Teletema: A História da Música Popular Através da Teledramaturgia Brasileira - Vol. 1 1964 a 1989; Livro Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga; Memória da Telenovela Brasileira; Site Uol; Site Teledramaturgia; Site Memória Globo; Blog Revista Amiga e Novelas.
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Novelas